Tic tac, tic tac, tic tac

 

Photo by Dimanoinmano

Tic tac, tic tac, tic tac,

O barulho do velho relógio no r/c da casa centenária era bastante audível na noite silenciosa, e não o estava a deixar dormir, o facto de não estar habituado ao colchão também não ajudava e já tinha perdido a conta ao número de vezes que se tinha virado na cama.

Acendeu a luz e levantou-se, tinha decidido dirigir-se à cozinha para beber um copo de leite morno, enquanto vestia o roupão olhou para o relógio da sua mesa de cabeceira, marcava 3h07, já devia estar a dormir há várias horas!

Saiu do quarto e foi percorrendo o corredor com soalho em madeira que dava acesso à escadaria, rangia de cada vez que dava um passo – tudo ali era bastante creepy – pensou enquanto sorria a descer as escadas, virou para o acesso à cozinha passando em frente ao velho relógio barulhento, nesse preciso momento soaram badaladas:

CLANN… CLANN... CLANNNNN…

Deu um pulo com o susto, olhou para as horas do relógio na sua frente e percebeu que este estava atrasado, acabara de dar as 3h e continuava impassível com aquele tic tac, tic tac, tic tac.

Respirou fundo e continuou em direção à cozinha, ainda a sentir o desconforto daquelas badaladas inesperadas, entretanto sentiu algo debaixo do seu pé e ao mesmo tempo um grito alucinante, deu um pulo para trás e as costas encostaram-se ao interruptor acendendo a luz, ainda conseguiu vislumbrar um gato preto a correr desalvorado, e antes de este desaparecer pela porta que dava acesso à arrecadação, embateu de passagem num escadote de madeira que estava encostado à parede, deitando-o abaixo na direção de um armário de cozinha com louça, a pancada foi seca e uma das prateleiras soltou-se originando a queda de uma resma de pratos e copos que embateram no chão com um estrondo ensurdecedor, a maioria das peças partiu-se em vários pedaços que se espalharam em todas as direções!

Com o coração aos pulos continuou encostado à parede durante uns longos segundos, observando aquele cenário dantesco.

Ainda antes de ter tempo para pensar, ouviu uma porta a abrir-se no andar de cima e passos acelerados pelo corredor em direção às escadas, bolas, já tinha acordado alguém… mas... mas, não estava mais ninguém em casa, tinha alugado aquela velha mansão por 8 dias e nessa mesma tarde o proprietário tinha-lhe mostrado todas as divisões antes de partir, deixando-o completamente sozinho numas merecidas férias de descanso absoluto!

Estava assustado, o seu primeiro impulso foi correr na mesma direção que o gato percorreu segundos antes, mas no trajeto pisou um vidro que atravessou facilmente o chinelo e lhe rasgou a planta do seu pé direito – AÍ CARAÇAS – gritou, e tropeçando de seguida no escadote atravessado no meio do caminho, entrou de cabeça pelo espaço da porta aberta que dava acesso à arrecadação, esta era na cave e sem hipótese de se agarrar a coisa alguma sentiu-se cair desamparado com dor pelas escadas escuras e com forte desnível, sofreu vários impactos desamparados até se estatelar com força lá no fundo.

Abriu os olhos assustado, onde estava? Tudo estava escuro e tinha acabado de ter um pesadelo horrível, acendeu a luz da sua mesa de cabeceira e olhou para as horas, eram 3h10 - ufa, tinha sido um pesadelo mas já passou - pensou, nesse momento ouviu no piso inferior o relógio a dar horas:

CLANN… CLANN... CLANNNNN…

– Está 10 minutos atrasado – pensou, e enquanto respirou fundo para se acalmar ouviu o que lhe pareceu ser o grito de um gato aflito seguido de um reboliço, uma pancada seca e por fim o som do que parecia ser uma série de louça a partir-se com estrondo!

Estava alguém lá em baixo! Levantou-se rapidamente e sem pensar nos eventuais perigos saiu apressado pelo corredor em direção às escadas que davam acesso ao r/c, já a descer as escadas ouviu um grito na cozinha:

“AÍ CARAÇAS”

Seguido de mais reboliço e o som do que parecia ser algo a cair por umas escadas, sem saber bem como e para se proteger viu-se com uma tenaz da lareira na mão e seguiu em direção à cozinha, a luz estava acesa, havia louça partida por todo o lado, com cuidado passou por cima de um escadote que sabe-se lá como estava ali atravessado e dirigiu-se à porta que dava acesso à arrecadação, acendeu a luz das escadas e percebeu que estava alguém estatelado lá no fundo – EI, VOCÊ ESTÁ BEM – gritou, não obteve resposta e fosse quem fosse mantinha-se imóvel, decidiu apelar à sua coragem e desceu as escadas em auxilio – mesmo um assaltante merece o nosso auxilio – pensou já quase no fim da escadaria, olhou para quem estava ali e empalideceu…

Aquele... aquele... aquele sou eu?!?!

Espavorido olhou em volta... mas... mas que raio é isto?! Voltou a olhar para o que parecia ser o seu corpo, tentou auxiliar a vítima, mas as suas mãos não agarravam nada, aterrado manteve-se em pé sem conseguir raciocinar, e o único som que quebrava o silêncio era o relógio de pé que se fazia ouvir também ali.

Tic tac, tic tac, tic tac…

Ficção
21.1.21
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